Regulamentação de criptomoedas: entenda os desafios da legislação no Brasil

As propostas de regulamentação de criptomoedas no Brasil avançaram nos últimos meses, mas ainda existem desafios para preservar a liberdade de mercado

Por Redação  /  7 de novembro de 2022
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Em 29 de novembro, depois de sete anos, o Projeto de Lei nº 4.401/2021, que trata da regulamentação de criptomoedas no Brasil foi aprovado na Câmara dos Deputados. Agora, a proposição segue para sanção presidencial e entrará em vigor 180 dias após sua publicação.

A proposta já estava em tramitação há algum tempo. No início deste ano, o Senado Federal aprovou o substitutivo ao PL 4.401/2021, que era originário de outra proposta da própria Câmara dos Deputados (PL nº 2.303/15), e o texto voltou para votação do chamado Marco Regulatório do mercado de criptomoedas. 

No entanto, um novo Projeto de Lei (PL 2681/2022) entrou em tramitação na Câmara, no dia 26 de outubro, como um complemento às propostas anteriores. 

O texto do novo PL, de autoria da Senadora Soraya Thronicke (UNIÃO/MS), contempla recomendações do Bank of International Settlements (BIS), e destaca que “não há justificativa legal ou mesmo empresarial para que empresas do segmento de criptoativos continuem atuando à margem da legislação”. 

Quem será responsável pela regulamentação de criptomoedas?

Após a aprovação pelo presidente, a lei começa a valer depois de 180 dias contados a partir da data de publicação no Diário Oficial. Esse é o prazo para que o governo indique o órgão regulador, por meio de decreto.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deverá ficar responsável pela regulação de criptoativos considerados valores mobiliários, e o Banco Central por outros tipos de ativos e aprovação de funcionamento de corretoras. 

A CVM, inclusive, emitiu em 11 de outubro um parecer sobre o tema, no qual destaca que a tokenização de ativos não está sujeita à prévia aprovação ou registro pelo órgão, mas emissores e a oferta pública dos tokens estarão sujeitos à regulamentação, assim como a administração de mercado organizado. 

“O parecer tem caráter de recomendação e orientação ao mercado, com o objetivo de garantir maior previsibilidade e segurança para todos, além de contribuir em direção à proteção do investidor e da poupança popular, bem como de fomentar ambiente favorável ao desenvolvimento da cripto economia, com integridade e com aderência a princípios constitucionais e legais relevantes”, disse o presidente do órgão, João Pedro Nascimento.

Quais são os desafios da regulamentação de criptomoedas no Brasil?

Na avaliação da autora do PL 2681/2022, Soraya Thronicke, embora seja essencial estabelecer mecanismos para regular o mercado, a “regulamentação excessiva” pode impactar o crescimento do setor. Mesmo assim, ela defende a obrigatoriedade de as empresas que operam no Brasil terem o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ).

A visão é contrária à do CEO da Transfero, Thiago Cesar, que considera que a regulamentação deve ser pautada na liberdade, sem restrições para empresas com sede fora do país. Segundo Cesar, isso pode dificultar a atuação de exchanges internacionais e encarecer o preço dos criptoativos, reduzindo a oferta e qualidade dos serviços. 

“O mercado cripto já nasceu sem limites geográficos, sem barreiras ou abstrações que, na prática, não têm nenhum tipo de influência em um ativo digital que pode ser transacionado ponto-a-ponto, de uma carteira para outra”, afirmou.” Tentar regionalizar ou restringir o setor dessa maneira é quase um paradoxo.”

Além disso, o texto original do PL 4.401/2021 estabelecia a segregação patrimonial dos recursos financeiros dos investidores e das prestadoras de serviços de ativos virtuais, com o objetivo de proteger as aplicações dos usuários. 

Porém, a atual versão excluiu esse item. Embora existam visões que consideram que essa segregação é essencial para garantir a segurança dos investidores, o CEO da Transfero teme que a medida possa afetar a liquidez do mercado. 

“Entendemos que as exchanges não devem fazer o que bem entendem com o dinheiro dos seus clientes, mas a segregação patrimonial de cripto, para que se isole a liquidez dos usuários em um ambiente controlado no Brasil, vai contra o aspecto global da cripto”, pontuou.

Tributação de criptomoedas comprova que o mercado já é regulado no Brasil

“É importante frisar que o mercado já é regulado, pois todas as leis já valem para cripto”, disse o advogado e especialista em tributação Eduardo Gomes, durante o evento Payment Revolution, mencionando que existe uma falsa percepção de que a atividade não é regulamentada. 

Segundo ele, as leis já são aplicadas, uma vez que a legislação tributária já inclui as operações em cripto, por meio da instrução normativa 1888

“As novas soluções tecnológicas não devem ser estranguladas”, completou o também advogado Daniel de Paiva Gomes, autor de duas edições do livro “Bitcoin: a tributação de criptomoedas”.

O que está em pauta nos projetos de regulamentação de criptomoedas?

Além da obrigatoriedade de as empresas do setor terem CNPJ no país, as propostas em tramitação criam regras que visam prevenir fraudes e lavagem de dinheiro, por exemplo. Confira a seguir alguns detalhes. 

Definição de criptoativos

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O marco regulatório propõe definir os criptoativos como “a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento”, com ressalva a moedas nacionais tradicionais e ativos que já têm previsão e definição em lei.

Prevenção a fraudes, lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo

Os projetos também trazem a previsão criminal de “fraude em prestação de serviços de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros”, situação popularmente conhecida como “pirâmide financeira”. 

A redação, que propõe a alteração do Código Penal para inclusão do novo dispositivo, estabelece que é crime “organizar, gerir, ofertar carteiras ou intermediar operações envolvendo ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.”

O projeto propõe uma pena de quatro a oito anos de prisão, além de pagamento de multa para quem cometer crimes financeiros envolvendo criptoativos. 

Prestação de serviços em ativos financeiros virtuais

De acordo com as propostas, uma prestadora de serviços de ativos virtuais é a pessoa jurídica que executa, em nome de terceiros, serviços como troca entre ativos digitais e moeda nacional, moeda estrangeira ou mesmo outros ativos virtuais; ou transferência, custódia, administração, emissão ou venda destes ativos.

Essa prestação de serviços deve observar algumas diretrizes:

  • livre iniciativa e livre concorrência; 
  • boas práticas de governança; 
  • segurança da informação e proteção de dados pessoais; 
  • proteção e defesa de consumidores e usuários; 
  • proteção à poupança popular; 
  • solidez e eficiência das operações;
  • prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa.

As prestadoras de serviços de ativos digitais só poderão funcionar no Brasil após uma autorização prévia do órgão regulador. 

NFTs seguem sem regulamentação

Os tokens não fungíveis (NFTs) permanecem sem regulamentação, pois os projetos de lei definem estes ativos como uma certidão digital. 

Como a regulação cripto está avançando no mundo?

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Existem regras diversas em vários países, mas a proposta que está mais avançada é a da Europa, Markets in Crypto-Assets (MiCa). 

A MiCa estabelece regras tanto as stablecoins, que são lastreadas em moedas fiduciárias, quanto os demais ativos, emissores e wallets, mas a perspectiva é de que entre em vigor somente em 2024. 

Já nos Estados Unidos, a regulação de criptoativos está sendo analisada pela Comissão de Valores Mobiliários (SEC, em inglês). Em setembro deste ano, o presidente da instituição, Gary Gensler, declarou que a regulação não pode divergir das regras relativas a valores mobiliários. 

A  Austrália, por sua vez, deu início a uma revisão dos ativos ligados a criptomoedas no país. De acordo com um comunicado do tesoureiro do país, Jim Chalmers, um “token mapping” (mapeamento de tokens) deverá ser feito até o fim deste ano. 

Segundo a nota, o Australian Taxation Office estima que desde 2018 mais de um milhão de contribuintes interagiram com o ecossistema cripto no país.

Existe ainda uma expectativa de os países do G20 apresentarem uma proposta de regulamentação de criptomoedas, além de diversos países que, como o Brasil, caminham na discussão sobre projetos de lei referentes ao tema.