Princípio da livre iniciativa rege atividades de criptomoedas no Brasil

Projeto de lei tramita há mais de um ano, enquanto outros países já têm regras. Incerteza jurídica compromete investimentos

Por Julian Lanzadera  /  6 de novembro de 2020
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Enquanto o mercado das criptomoedas avança, a regulação do setor no Brasil está ficando para trás. Até hoje, o país não tem uma regulamentação para as moedas digitais, limitando-se a duas normativas da Receita Federal. Ao passo que países como a Suíça aprovam a regulação para criptomoedas, há projetos de lei para o setor no Brasil há mais de um ano no Congresso.

Em  abril de 2019, o deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ) apresentou o projeto de lei 2060/2019 para estabelecer uma série de regras para criptoativos. Ele cria definições para estes ativos, além de determinar quem é considerado intermediador.

Conforme o texto, a pena para o crime de “pirâmide financeira” aumentaria. Em vez de prisão de seis meses a dois anos, como consta na Lei de Economia Popular, esse tempo passaria para de 1 ano a 5 anos. Além disso, inclui no Código Penal o crime de emitir título ao portador sem emissão legal. Neste caso, a pena pode ir de 1 a 6 meses ou pagamento de multa.

O projeto já tramitou em comissões e no plenário, mas ainda não passou ao Senado. A última atualização no site da Câmara é de junho do ano passado.

Já o projeto do senador Flávio Arns (Rede-PR), prevê, por exemplo, prisão por até 12 anos em caso de fraudes, e a necessidade de aval do Banco Central para as operações. Além disso, o projeto define que os criptoativos só serão fiscalizados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) quando houver algumas operações específicas, como ofertas iniciais.

O PL 3825/2019 foi apresentado em julho de 2019. Porém, a decisão mais recente relativa a ele é de abril de 2020, informa o site do Senado. Na ocasião, o plenário aprovou que ele tramitasse junto do PL 3949/2019, já que os dois tratam do mesmo assunto.

empresas
Empresas têm regras a cumprir

Em agosto de 2020, a senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) apresentou um projeto de lei também visando à regulamentação do mercado de criptomoedas e outros ativos virtuais no Brasil. O texto sugere, segundo a Agência Senado, que se crie um comitê interministerial para acompanhar e monitorar o setor. Ele ainda define o BC e a CVM como responsáveis por regular e supervisionar o mercado.

“A lei brasileira não impede a atuação do particular sobre aquilo que ela não proíbe expressamente”, explica Julian Lanzadera, head of Business Development da Transfero Swiss. E acrescenta: “Esse princípio constitucional da livre iniciativa foi, inclusive, solidificado com a MP da Liberdade Econômica”. Após aprovação no Senado, a medida provisória 881/2019 seguiu para a sanção do presidente da República, Jair Bolsonaro, e se tornou lei.

“Não quer dizer que, por haver essa lacuna, outras normas não devem ser observadas”, lembra o executivo. Ele cita como exemplo, a know-your-cliente (conheça seu cliente), as regras de combate à lavagem de dinheiro e a boa-fé.

Além disso, ele ressalta que o que o que não está claro em termos de regulação são as operações das empresas, a atividade econômica em si, mas que há outros códigos que preveem a proteção das partes.

“Se eu pactuo de negociar uma quantidade de bitcoin, mas descumpro, eu tenho que indenizar a outra parte, isso está no Código Civil”, ressalta. “O Código Penal prevê estelionato, por exemplo. Então não é que não exista proteção a quem negocia”, complementa.

À espera de regulação de criptomoedas no Brasil, associação cria regras próprias

Enquanto a lei não sai, a Receita Federal lançou duas instruções normativas (IN) no para o setor no ano passado. Pela IN 1.888, é necessário reportar todas as transações com moedas virtuais ao governo. Assim, as corretoras passaram a ter de informar à Receita todas as operações de seus clientes, como nomes, valores, datas e taxas pagas. Mas a regra não vale apenas para empresas, e inclui as pessoas físicas que operam sem o auxílio de corretoras. No entanto, nesses casos, só é necessário informar caso as transações superem R$ 30 mil em um mês. Já a IN 1.889 apenas aperfeiçoa alguns pontos relativos às informações prestadas.

“O país perde porque a segurança jurídica na realização das operações é menor. Algumas empresas, por questões estatutárias e por um nível de institucionalidade maior, às vezes só têm autorização para investir e abrir negócios em países com clareza regulatória. Mas há pontos claros, como a declaração de Imposto de Renda”, diz, em referência às instruções normativas da Receita Federal.

Para o executivo, as normativas da Receita são até mais duras com as exchanges que com as corretoras de valor. “Corretoras de valor não têm que apresentar nada para a Receita, já a exchange precisa comunicar toda e qualquer operação”, diz.

A Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto), no entanto, não esperou e lançou este ano um código de autorregulação. O objetivo com isso é dar mais segurança para o investidor, disse o diretor-executivo da associação, Safiri Felix, em entrevista ao PanoramaCrypto. Os fundamentos do código incluem, por exemplo, livre concorrência, prevenção a fraudes, lavagem de dinheiro e corrupção. Ademais, aborda o controle da informação e confidencialidade.

regras crypto
Regras crypto pelo mundo

No exterior, por outro lado, há países com legislação estabelecida há mais tempo, e outros que estão aprovando regras agora. A Suíça, por exemplo, aprovou este mês mudanças na lei para se adequar à realidade do mercado de criptomoedas. Entre os pontos que sofreram mudanças estão as regras de falência.

Enquanto isso em Hong Kong, o governo publicou regras para dar licença a exchanges de criptomoedas em novembro de 2019. O objetivo, noticiou a Reuters, é melhorar a regulação e evitar fraudes. Dentro da nova lei, a OSL Digital se tornou a primeira plataforma de negociação de criptoativos a obter aval inicial para operar em Hong Kong.

Já nos EUA, as regras variam conforme o estado, e mesmo os órgãos federais tem suas próprias leituras. Embora não sejam proibidas, as criptomoedas ainda não estão integradas à estrutura financeira do país, lembra o CoinTelegraph. Mas, desde 2013, o país vê as plataformas de negociação de criptomoedas como operadores de serviços. Já os tokens são “outras propriedades” que substituem moedas. E, este ano, a ICE, órgão de alfândega e imigração, criou uma forma de rastrear atividade crypto sem licença. Além disso, propôs um Programa de Inteligência de Criptomoedas para 2021.