Bitcoin e ativos digitais: a nave espacial que sempre volta pra buscar novos passageiros

As lições que aprendemos ao analisarmos toda a jornada percorrida pela nave espacial das criptomoedas e em que momento estamos nela

Por Thiago César  /  20 de fevereiro de 2019
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Eu costumava conversar com meus amigos em 2013 e entrar em debates acalorados sobre o futuro do bitcoin e do que hoje conhecemos como ativos digitais. O preço de um bitcoin na época? Próximo dos US$ 100, em junho daquele ano. Os argumentos contrários variavam desde questionamentos sobre o lastro das criptomoedas, inexistente também nas moedas governamentais como o real ou o dólar – apesar de o imaginário popular pensar o contrário – até preocupações legítimas com a adoção e popularização dessa nova tecnologia. Era a época do ceticismo perante o novo, o desconhecido.

Do lado dos que acreditavam no bitcoin e no futuro dos ativos digitais existia uma espécie de ethos, uma identidade social formada em volta da tecnologia. De forma simples, concebeu-se o conceito de que um ativo digital seria escasso e teria regras de emissão, transação e segurança garantidas por um protocolo matemático imutável. Trocava-se a falibilidade do ser humano pela confiança na matemática. Vires in numeris, frase em latim que significa “força em números”, era vista em fóruns, debates e palestras da época. Fazer parte disso era como entrar em uma nave espacial que te libertaria da caverna de Platão em termos econômicos. O preço? Para esse grupo não restavam dúvidas: a nave espacial iria pra Lua, to the moon!

Debate acalorado

O final do ano de 2013 se aproximava e as discussões filosóficas se intensificavam. Os defensores do bitcoin se viam agraciados pela rápida escalada de preços e a inevitável exposição do assunto na mídia convencional. O preço da moeda passava dos US$ 250 no início de novembro, disparando rapidamente para mais de US$ 1.000 no primeiro dia de dezembro. O foguete havia chegado à Lua? Amigos me ligavam para perguntar: “Thiago, como eu acesso aquelas frações de bitcoin que você me enviou para demonstrar a tecnologia?”. Alguns céticos começaram a perceber que o assunto merecia uma atenção especial, mas a opinião predominante era de que aquilo tudo não passava de uma bolha, de uma histeria coletiva semelhante à mania das Tulipas de séculos atrás.

Os conselhos mais oferecidos em dezembro de 2013 eram: “Se eu fosse você, eu venderia tudo. Coloca o dinheiro no bolso. Parabéns por ter acreditado”. Mas como bons tripulantes da nave espacial, foram muitos os que seguraram suas posições em bitcoin esperando chegar à Lua. Ironicamente, entretanto, vimos o preço cair de US$ 1.000 para US$ 400 em março de 2014, abrindo espaço para as mais diversas interpretações. Os anos subsequentes reforçaram os posicionamentos dos céticos, com o bitcoin amargando níveis de preço próximos a US$ 200 em 2015 e retornando para magros US$ 500 em 2016. Para os não-tripulantes, tudo estava cristalino: “nós avisamos”. Do outro lado, a visão dos apoiadores da tecnologia pregava paciência, a nave espacial só havia retornado para buscar mais passageiros.

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Uma nova esperança

O ano de 2017 injetou nova esperança no mercado de ativos digitais. Em fevereiro, tivemos o preço retornando ao patamar de US$ 1.000, em maio, US$ 2.000, em agosto US$ 4.000 e todos diziam: “a Lua está logo ali”. A capitalização do mercado ultrapassou os US$ 100 bilhões em junho de 2017 e em novembro daquele ano o preço do bitcoin superou os US$ 10.000. O êxtase tomava conta do mercado. A mídia cobria o assunto incansavelmente, a New York Stock Exchange já mostrava a cotação do bitcoin, assim como diversos sites de finanças e aplicativos de conversão de moeda. Bancos abriam mesas de operação de ativos digitais na Suíça, Singapura e Japão, e o mercado de ativos digitais batia US$ 700 bilhões em capitalização de mercado, valor maior que os quatro maiores bancos brasileiros somados neste quesito. O sonho virava realidade.

A virada de ano de 2017 para 2018 foi uma reedição da escalada de 2013. O bitcoin atingiu seu pico máximo na fronteira dos US$ 20.000 e o mercado foi inundado por novas corretoras, novos projetos de criptomoedas, consultorias e fundos, consolidando uma aproximação séria do mercado financeiro formal com a indústria emergente dos ativos digitais. O ecossistema aproveitou o influxo de capital para se tornar mais robusto, ainda bem, pois o movimento subsequente de março de 2018 até o presente momento foi mais um teste de resiliência para os tripulantes da tecnologia: em abril, o preço do bitcoin voltava para o patamar de US$ 7.000 e em dezembro, US$ 3.500.

Rumo à Lua

Lições podem ser tiradas quando analisamos a jornada do mercado de ativos digitais. Como toda classe de ativos, ciclos de expansão e contração estão presentes, mas parecem ser muito mais rápidos que em ativos mais tradicionais como o ouro ou a prata. Em termos de classificação de ativo, existem paralelos interessantes entre o próprio bitcoin e ativos anticíclicos e de oferta inelástica, como os já citados ouro e prata. Para complementar, a iminência da aprovação de ETFs baseados em bitcoin podem trazer a mesma valorização vista no ouro, conforme gráfico:

Gráfico que mostra cotação do ouro após lançamento do ETF

Em síntese, o mercado de ativos digitais passa por uma fase semelhante ao período de baixa de 2014-15, mas com potenciais de upside muito mais claros. No boom de 2013, na escalada dos US$ 100 aos US$ 1.000 em alguns meses, o sentimento era de incerteza sobre o futuro dessa nova classe de ativos, com muitas suspeitas de bolha ou histeria coletiva. Hoje, o grau de maturidade da indústria mudou. Players institucionais já fizeram incursões no mundo dos ativos digitais, o ambiente regulatório está mais consolidado e os players que sobreviveram aos ciclos de altas e baixas são hoje mais sólidos do que nunca. Com preços nos níveis de agosto de 2017, não restam muitas dúvidas: a nave espacial voltou para buscar novos passageiros. O destino? A Lua.


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