Projetos de cripto apoiam Ucrânia na guerra contra Rússia

Governo ucraniano recebeu quase US$ 100 milhões em doações e já utilizou cerca de US$ 15 milhões para ações diretas de defesa

Por Redação  /  18 de março de 2022
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Os criptoativos estão no ponto central da luta contra a tirania na Ucrânia e já foram responsáveis em parte pela resistência do povo ucraniano nas últimas semanas, por meio da compra de equipamentos como coletes à prova de bala e capacetes para o exército do país na guerra contra a Rússia. 

Alguns fatores explicam como os criptoativos estão sendo forças aliadas da Ucrânia: a ação coordenada da comunidade e do governo do país, a natureza das transações digitais em frente a uma crise e as possibilidades abertas por esses ativos. Veja alguns pontos do que está acontecendo o em terras ucranianas – e como todos podem ajudar. 

Governo Ucraniano pró-cripto

Logo que a Rússia iniciou os ataques contra a Ucrânia, as iniciativas de doação começaram a aparecer no meio cripto. Os esforços vieram de todos os lados, desde ONGs até grupos de Telegram de pequenos investidores de criptomoedas, passando por nomes como Vitalik Butterin e Changpeng Zhao. O governo também entrou no assunto e se uniu a empresas como a FTX  e a Solana para criar o Donate Digital, um site específico para receber doações de criptomoedas.

Antes mesmo da guerra, a Ucrânia já era o quarto maior país no índice de uso de criptomoedas (e o segundo na Europa, ficando apenas atrás da Rússia, ironicamente). Tanto que, no final de 2021, o Senado do país já havia aprovado uma regulamentação que legalizava o uso de criptoativos. A lei é uma das primeiras do mundo a determinar o status legal de ativos virtuais, a determinar a lista de provedores e as condições de registro, e a implementação de acompanhamento dos domínios de criptoativos. A regra foi completamente sancionada pelo presidente, Volodymir Zelensky, nesta semana.

Além disso, segundo o NYT, o país chegou a processar mais transações de criptomoedas no ano passado do que da sua moeda nacional, a grívnia. Quando a guerra chegou ao quintal do país, o governo já tinha uma cadeia de empresas e de desenvolvedores que confiava para poder abrir os caminhos em cripto, o que ajudou bastante na rapidez da entrada das transações. Um dos principais responsáveis pela atuação rápida tem nome e sobrenome: Alex Bornyakov. 

Um ministro de transformação digital em meio à guerra

Bornyakov empreendeu em startups digitais e, atualmente, é ministro da Transformação Digital da Ucrânia. Desde que começou no cargo, ele tem como foco fazer o governo refletir o que os ucranianos já usam no meio digital. Em junho de 2021, ele declarou que a legalização dos criptoativos, lei que ele apoiou e ajudou a criar, era um passo natural devido à quantidade de empresas de tecnologia no país que já usavam o meio. “Temos um pool de talentos gigante e uma comunidade forte de desenvolvedores em blockchain na Ucrânia. Eles entraram na tendência dos criptoativos mais rápido do que qualquer um, e eles já têm negócios nesse meio”. 

Quando a ameaça russa chegou em forma de bombas e ataques, Bornyakov teve a dura missão de conversar com a comunidade de TI ucraniana a partir de uma outra perspectiva: era hora de se unir para ajudar o país. Milhares de profissionais de tecnologia do país entraram em contato com o governo, e Bornyakov centralizou todos em um grupo do Telegram. 

No app, ele criou listas de atividades que o governo precisaria desses profissionais, como organizar ataques hackers contra os russos e abrir frentes no meio das criptomoedas.

Alguns chamaram o que Bornyakov fez de “um exército de tecnologia”. Dessa forma, o governo conseguiu se mover com rapidez para absorver as doações digitais. Só como curiosidade: até o momento, mais de 300 mil profissionais de TI entraram no exército digital ucraniano. 

Quanto foi doado até agora?

Desde o início da guerra contra a Rússia, em 24 de fevereiro, a Ucrânia tem recebido apoio financeiro da comunidade cripto. Segundo Bonyakov, quase US$ 100 milhões foram levantados nas últimas semanas. Os registros do blockchain indicam que os dois endereços oficiais de recebimento de criptoativos da Ucrânia via Bitcoin e Ethereum somaram US$ 12 milhões e US$ 20 milhões em transações, respectivamente. 

Já a plataforma Eliptic publicou na primeira semana de março que a Ucrânia já tinha recebido mais de US$ 60 milhões em doações de criptoativos, contando aí também com os NFTs da CryptoPunk. Do outro lado, a informação é que o governo ucraniano já tinha gasto perto de US$ 15 milhões dos criptoativos que receberam. Há também informação sobre o tipo de criptomoeda “preferido” nas doações: 33,7% é em Ethereum, 31,2% em bitcoin e 17% em stablecoins.  Em média, as doações têm girado em torno de US$ 95, mas existem alguns casos notáveis, como uma de US$ 1,86 milhão feita pela conta de Julian Assange e do artista digital Pak por meio da venda de um NFT. 

Mais importante do que todos os números de volumes de transações são estes aqui: 5,5 mil coletes à prova de balas, 410 mil almoços, 500 placas para reforçar coletes a prova de balas, 500 capacetes, 3,4 mil remédios e 60 walkie talkies. Segundo o governo ucraniano, foram essas as aquisições feitas usando o dinheiro dos criptoativos, até o começo de março. 

Museu de guerra digital

Falando em NFT, o governo ucraniano já projeta usar os ativos digitais para criar um espaço digital de memórias da guerra. Alex Bornyakov falou ao The Guardian que vai usar os tokens não fungíveis para contar a história da invasão russa em forma de arte digital. “Será como um museu da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Queremos contar o que está acontecendo aqui ao mundo usando os NFTs”, disse Bornyakov. 

A ideia é ser uma série de obras de arte que contam a narrativa da guerra a partir do ponto de vista dos ucranianos, como uma “fonte confiável” de informações sobre a guerra para quem estudar no futuro. O bombardeio russo a uma ala de maternidade na cidade do sul da Ucrânia de Mariupol pode ser memorizada em NFT, disse o ministro à CNET. “Assim nunca esqueceremos o que aconteceu”. 

Bitcoin contra crises

De maneira geral, a crise está mostrando também a força dos criptoativos em momentos de extrema fragilidade física. “O fato de não poder ser congelado, de não poder ser censurado e que pode ser usado sem precisar de documentos físicos de papel é muito importante. O bitcoin é uma ferramenta humanitária essencial”, afirmou Alex Gladstein, chefe de estratégia da Human Rights Foundation em entrevista ao Recode

Num momento em que o banco central precisou limitar o acesso ao dinheiro físico e ao capital estrangeiro por conta da situação de emergência, a população passou a se voltar para os criptoativos. A rapidez da transação digital também é um ponto que ajuda o país em meio a batalhas “Em uma situação em que o banco central não está operando, os criptoativos estão ajudando a realizar transferências rápidas e obter os resultados quase imediatamente”, disse o ministro de Transformação Digital da Ucrânia, Alex Bornyakov ao Decrypt. O ministro ainda afirmou que os criptoativos podem não estar impactando a economia ucraniana, mas estão sendo “essenciais para ajudar o exército”. 

Gladstein, por sua vez, comenta o quanto os criptoativos podem servir para refugiados conseguirem se adaptar em outros países. “Quase dois milhões de ucranianos que fugiram para a Europa e outros países e tiveram que fazê-lo rapidamente”, disse Gladstein ao ComputerWorld. “Pense em uma família de classe média. São pessoas que provavelmente têm algumas ações e uma casa ou parte de uma casa. E eles não podem levar nada disso com eles numa situação de refúgio. Com as criptomoedas, eles podem levar esses ativos com eles para qualquer lugar”.

A natureza descentralizada dos criptoativos permite que haja uma coordenação entre ONGs e ativistas individuais contribuírem para os cidadãos ucranianos de forma complementar.