Como eu me tornei um bitcoiner no sentido filosófico da palavra

Minha história com o bitcoin tem diversos capítulos, alguns bons, outros, nem tanto, mas sem nunca perder a fé no que o bitcoin pode fazer pela sociedade; por Roberto Santacroce

Por Redação  /  10 de julho de 2019
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Minha história com o bitcoin começa em 2010. Eu estava voltando para o mercado após vender minha empresa em 2008 e fui convidado para fazer um clone do Dropbox para uma consultoria de São Paulo, por volta de 2009/2010.

Logo no começo identificamos que era um problema computacional bem interessante, a primeira ferramenta e abordagem que usamos foi a librsync. O problema sem dúvidas envolvia tolerância a falha e consequentemente poderíamos dizer que estávamos lidando com um problema de computação distribuída. Além de portar o librsync para os dispositivos mobiles da época, criamos um layer que servia de “node” para coordenar os syncs em múltiplos pontos.

Computação distribuída

O Dropbox fazia e faz isso de forma esplêndida, economizando muita banda ao enviar apenas o diferencial e manter todos no mesmo estado através de um consenso arbitrário. Essa tecnologia consiste em verificar um arquivo que eu tenho em um local e verificar o mesmo arquivo armazenado em outro local e, se for necessário o envio, só enviar a diferença entre eles.

Para viabilizar isso, a biblioteca que estávamos nos baseando gerava hash de partes do arquivo fazendo um índice comparativo. Com isso, era possível gerar um “delta” com apenas as partes com hashs diferentes. Qualquer semelhança com a blockchain não é mera coincidência. Acredito que o assunto hash acabou me levando novamente para a criptografia e o mar de informações que se encontra na internet. Nesse processo, por algum motivo que não sei explicar, caí no white paper do bitcoin.

Esse foi o gatilho que me levou a me apaixonar por ele. E comecei a mexer com isso. Fui em seguida contratado por uma consultoria para atuar como arquiteto em um grande banco em São Paulo. De volta ao mercado financeiro, olhando esse quadro todo, vi que era muito nítido o que estava acontecendo: desperdício de recursos, redundâncias sem sentido e o dinheiro de verdade já não tinha mais dono.

De volta ao mercado financeiro, era muito nítido o que estava acontecendo: desperdício de recursos, redundâncias sem sentido e o dinheiro de verdade já não tinha mais dono.

Trabalho em NY e a primeira cold wallet

Nesse meio tempo aprendendo cada vez mais de bitcoin e fazendo meu papel de consultor no mercado financeiro, acabei indo trabalhar na bolsa de valores em outro projeto que envolvia computação distribuída. No primeiro semestre de 2014, fui a NY por indicação de alguns conhecidos. O trato com esses conhecidos não saiu muito como esperado, no entanto eu havia conhecido o Nick Spanos e o pessoal do Bitcoin Center NY.

Trabalho em NY
Então, peguei a minha mala, no Brooklyn, já eram 21h e fui embora. Eu saí de lá acreditando da mesma forma no bitcoin. Era um movimento muito maior do que as expectativas iniciais que eu acompanhava desde 2011. Atravessei a ponte do Brooklyn, cheguei em Manhattan por volta das 22h. Mas calhou de ser o Dia dos Veteranos ou algo do tipo e eu não conseguia um hotel para dormir. Ali talvez tenha sido um dos momentos decisivos. Eu não podia desistir. Sem hotel, eu dormi na rua, numa praça, em frente ao prédio da Nasdaq. Gosto de contar essa história e dar bastante risada, pois muita gente fez muita coisa pelo bitcoin e vice-versa…

Às 8h da manhã do dia seguinte eu entrei no Starbucks para tomar um café. E tive um insight: vou ligar para o Nick. Vou dizer a ele que estou indo embora. Quando nos falamos logo cedo no Bitcoin Center, ele me ofereceu para ficar e trabalhar pelo bitcoin. Foi um momento muito bacana, principalmente pelo relacionamento nesses primeiros anos do Bitcoin e também pelos desafios do dia a dia, pessoais, técnicos e legais.

Uma das histórias interessantes sobre cold wallet foi quando o Nick, em certo momento, me ofereceu seu apartamento para passar algumas semanas. Chegando a noite ele fez uma visita no apartamento e ele começou a retirar do freezer algumas carnes. No meio delas, ele pegava pequenos papeizinhos com QR Codes, com a data, e cada um, com uma quantidade de absurda de BTC mesmo para a época. Esse foi o primeiro grande exemplo de cold wallet.

Nesse apartamento que eu morava, vieram morar outras pessoas do Bitcoin Center. Lutamos juntos contra o estado de NY, contra a bit license – licença estadual para operar nesse mercado. Mas perdemos a batalha. NY fechou o mercado para a gente. E eu saí de lá com a seguinte missão: voltar ao Brasil e falar sobre bitcoin no mercado financeiro.

Volta ao Brasil e a missão de falar do bitcoin com executivos

Brasil

No Brasil, o ambiente ainda era nascituro. A Foxbit já estava funcionando, mas eu voltei para o mercado financeiro tradicional. Porque eu precisava falar para os executivos desse mercado sobre o bitcoin. Não era sobre ganhar dinheiro, sobre investimento, mas algo maior, que ia desburocratizar, dar transparência. E novamente, Satoshi Nakamoto olhou por mim e me abriu as portas novamente, fazendo com que eu convivesse com executivos do mercado financeiro.

Em 2017, chegou o movimento blockchain. Os bancos começaram a abrir laboratórios de blockchain. E eu não acredito em blockchain puramente como tecnologia. Eu acredito no bitcoin. E eu comecei a ter dificuldades em explicar a blockchain para meus amigos do R3, um consórcio de empresas que queria fazer um blockchain para o mercado financeiro. No meio do caminho eles resolveram chamar a tecnologia de DLT (sigla para Distributed Ledger Technology ou Tecnologia de Registro Distribuído).

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Nesse ínterim, eu estive em um evento com diversos executivos de empresas de tecnologia para explicar o que era o bitcoin. E todo mundo adorou. Então, com toda essa dificuldade de explicar a blockchain, eu pedi para todo mundo instalar uma wallet crypto. E eu dei alguns satoshis para alguns deles. E no momento que todas as transações se completaram, eu disse a eles: senhores, agora vocês participam do blockchain.

Continuei nessa caminhada, com muitas pequenas histórias no caminho. Em 2018, eu saí da BRQ, porque um bitcoiner muito das antigas me chamou para abrir uma exchange no Brasil. Peguei uma empresa que eu tinha, enquadrei para ser uma exchange e fui para NY. Mas as coisas não eram mais como antes: todos os sites de trade em bitcoin estavam bloqueados em NY.

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Ainda trabalhando e acreditando que o mercado financeiro nacional precisava de players sérios e competentes para tirar o status quo do sistema atual do século 20, continuei estabelecendo relacionamentos. No entanto, todos envolvidos em bitcoin acabam sofrendo com a especulação, e infelizmente o investidor puxou o cheque e acabei ficando sem suporte para continuar a operação, que no início seria uma wallet mobile com troca de ativos sem custódia integrada ao sistema de pagamentos brasileiro. A ideia se estendia até a compra e venda de gift cards. Ainda tenho partes da versão de lançamento, no entanto, acabou o fôlego para continuar a empreitada eu comecei a procurar uma nova oportunidade.

Já conhecia a Transfero da época da Bit.One e nutria uma admiraçāo muito grande pela operação da empresa no Brasil, no final de 2018 iniciei alguns trabalhos consultivos com a empresa.


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