Como a Crypto Art põe em xeque a arte do velho mundo

NFTs estão fazendo surgir um novo mercado num contexto de transição digital que extrapola o mundo das finanças e investimentos

Por Patricia Toscano e Thiago Cesar  /  22 de junho de 2021
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A chegada do movimento artístico de NFT Art e o surgimento do mercado de Crypto Art estão repercutindo tanto na mídia quanto no mercado tradicional de arte. As elevadas cifras envolvidas que elas movimentam em um curto espaço de tempo chamam a atenção e, por isso, vêm atraindo o olhar do mercado global de arte, que movimenta bilhões todos os anos.

A compra e venda de Crypto Art começou a ganhar tração no segundo semestre do ano passado. Mas foi em dezembro de 2020 e em janeiro de 2021 que os leilões cresceram em popularidade e lances, com a chegada de artistas digitais conhecidos às plataformas.

Para se ter uma ideia, o termo NFT – sigla em inglês para tokens não fungíveis –  atingiu o pico de interesse relativo de pesquisa do Google na semana terminada em 27 de março, segundo a ferramenta Google Trends. Pesquisas relacionadas incluem NFT marketplace, NFT Crypto Art e Beeple, mostrando um aprofundamento do interesse pelo tema.

Origem da crypto arte é recente

A origem desse hype remonta a setembro de 2020, quando o artista Matt Kane vendeu uma obra de arte por US$ 100.422. Dificilmente isso seria notícia, mas ‘lugar certo e hora certa’ chamou atenção por ser a primeira Crypto Art a ultrapassar a barreira dos 100 mil dólares. Menos de um ano depois, ele já vale mais de US$ 400 mil. Ou melhor: mais de 260 ‘ethers’ — a criptomoeda na qual seu valor está registrado na plataforma Async, que permite que qualquer um verifique o resultado atualizado da obra.

De lá para cá, muitas outras obras foram vendidas com altas cifras. E o negócio chegou às casas de leilão de arte tradicionais, com a negociação histórica de “Everydays: the First 5000 Days” de Mike Winkelmann, também conhecido como o artista digital Beeple. O NFT foi cunhado exclusivamente para a Christie’s (a mais conceituada e antiga casa de leilões de arte com 255 anos) e arrematada por US$ 69 milhões.

Esse acontecimento cria um marco histórico no mercado de arte, reunindo em uma negociação a mais conceituada e tradicional casa de leilões, um artista digital contemporâneo, uma obra totalmente digital adquirida por uma pessoa negra de etnia indiana e parcialmente comprada com criptomoeda. Uma estratégia que põe em xeque um tradicional e centralizado ecossistema pelo surgimento de um novo, descentralizado, ágil e globalizado ecossistema de arte.


Tudo isso colaborou para a expansão de 1.727% nas vendas de NFTs entre 1º de janeiro e 30 de março deste ano, de acordo com o banco de dados Crypto Art. Nos 60 dias seguintes passados a euforia, no entanto, as vendas dos ativos recuaram significativamente, o que fará naturalmente permanecer, somente projetos e negócios embasados e consistentes nesse novo mercado.

Os NFTs criam singularidade digital e podem ser verificados sem qualquer organização centralizada que o autentique. Eles usam a blockchain, e se popularizaram na rede Ethereum, embora existam NFTs em outras redes, como Binance Smart Chain, xDai Chain e Polygon. Inclusive os NFTs Verdes carbono-negativa que causam menos impacto ambiental como o da Enjii e Tezos. Esses tokens não fungíveis permitem manter itens digitalmente escassos e de autenticidade incontestável de sua autoria, preservam ainda, a originalidade de forma descentralizada.

Oportunidades trazidas pelos NFTs no contexto da crypto arte

Algumas das oportunidades trazidas pelos NFTs colaboram ainda mais para a transformação digital e hibridização nos modelos de negócios do mercado tradicional de arte, a agregação de valor à obra de arte, proteção à propriedade intelectual, mais transparência no histórico de propriedade de uma obra, potencializa a gestão dos direitos de revenda. Uma nova estética, um novo público e um novo tipo de colecionismo, entre outras.

A adoção crescente de artistas e o aumento de ações mais conscientes onde parte dos lucros são doados para iniciativas socioambientais/socioculturais é um fato relevante.

Os NFTs democratizam o formato de aquisição de uma obra como um ativo de investimento financeiro ao permitir, por exemplo, que se invista em uma fração de uma obra de arte, motivando ainda mais o colecionismo cripto artístico.

Uma mudança no modelo de negócio e relacionamento entre as pontas, que estabelece uma forma ágil e direta de remuneração a quem vende e uma nova filosofia e conceito de propriedade a quem compra. O que remonta à necessidade das galerias tradicionais reinventarem seus modelos de negócio assumindo um papel ainda mais estratégico e digitalmente ativo. A aquisição de arte como experiência que conecta o público a uma causa, também fica mais evidente.

A revolução do NFT não é simplesmente sobre um novo material ou ferramenta para os artistas, é algo muito mais profundo. O cerne da inovação está relacionado aos direitos de propriedade, empoderamento econômico aos criadores, desintermediação e principalmente no potencial de dessubjetivação e descentralização do juízo de valor. Quando uma obra possui um NFT, lastreia-se na prática o seu status quo como um ativo. O que torna a propriedade e negociação de uma obra por meio de contratos inteligentes, bem relevante.


Os NFTs podem ser aplicados em obras físicas, como um meio que valida ainda mais originalidade às obras e à autenticidade de sua autoria. Nesse contexto, a blockchain deve ser o primeiro passo para construir um sistema de valor no ambiente interconectado pós-verdade niilista que temos hoje. Nesse caso de uso, a tecnologia NFT no mercado de Crypto Art trata-se de um meio e não o fim. Um elo phygital entre os objetos físicos e digitais.

Da mesma forma que a criação do bitcoin representou uma revolução financeira, os NFTs vieram como parte de um processo de transição revolucionária evolutiva da arte, onde a interseção de ecossistemas cria uma nova era ArtTech baseada em ativos digitais na blockchain. Esse inevitável e arrebatador caminho sem volta é um verdadeiro xeque-mate do admirável mundo novo da tokenização inteligente cripto ativa artística. Seja bem-vinda, Crypto Art.

* Patricia Toscano é CEO da CRIO.ART, crítica e curadora, estrategista especializada em conectar os ecossistemas da arte, tecnologia, inovação e negócios digitais.

* Thiago Cesar é CEO da Transfero, empresa de ativos digitais e emissora do BRZ, primeira criptomoeda brasileira.